terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mensagens sarcásticas no Twitter testam limites da liberdade de expressão

Um homem achava que estava brincando com amigos quando ameaçou explodir um aeroporto. Outro reagiu a um telefonema numa rádio sugerindo o apedrejamento até a morte da jornalista. Mesmo tendo feito seus comentários impensados no Twitter, os dois enfrentam problemas na Justiça.

Os casos têm indignado defensores das liberdades civis e incendiado o debate sobre os limites da liberdade de expressão na Web 2.0. A internet cada vez mais torna piadas privadas, gostos e opiniões pessoais disponíveis para o público em geral, confundindo a linha entre o público e o privado e complicando a vida de juristas que precisam acompanhar os novos tempos.

- Acho que as pessoas não têm qualquer idéia das potenciais ramificações legais das coisas que publicam na internet - disse Gregor Pryor, um advogado de mídia digital da Reed Smith, em Londres - Qualquer coisa que você postar no Twitter pode voltar e assombrá-lo.

Paul Chambers descobriu isso com uma vingança. O contador de 27 anos de idade foi condenado e multado após um tweet enviado em janeiro, no qual ameaçava explodir o aeroporto Robin Hood, no norte da Inglaterra, caso seu vôo sofresse algum atraso.

" As pessoas não têm qualquer idéia das potenciais ramificações legais das coisas que publicam na internet "

Chambers perdeu o emprego e ainda precisa pagar milhares de libras em despesas legais. Na segunda-feira, disse que orientou seus advogados à Suprema Corte no Reino Unido, dando início a uma grande batalha pela liberdade de expressão.

- Talvez em detrimento do meu bem-estar mental, estou apelando da decisão da melhor forma possível - disse ele, muito adequadamente, pelo Twitter.

Chambers já virou uma celebridade on-line. Quando teve recurso negado no início do mês, milhares de usuários do Twitter republicaram sua mensagem original: "O aeroporto de Robin Hood está fechado... Vocês têm uma semana... ou eu vou explodir o aeroporto!". Na mesma mensagem todos escreveram "Eu sou Spartacus", em referência ao filme de 1960 no qual todos os rebeldes assumem a identidade de seu líder para defendê-lo.

Para muitos internautas a indignação é óbvia. Chambers não era ameaça para ninguém, apenas um viajante frustrado exagerando na reclamação.

- É preocupante - disse Evan Harris, um ex-parlamentar britânico e defensor da liberdade de expressão. - A justiça pareceu não ter entendido que algo dito no Twitter não é uma ameaça séria. Essa não seria a opção de qualquer jihadista suicida.

O Twitter, argumenta, "é como conversar em um bar".

- Existe sarcasmo nos pubs. Existe sarcasmo no Twitter, que é compreendido por todos no Twitter, mas não por essa juíza.

Mas outros argumentam que o caso não é tão simples. A juíza que rejeitou o recurso de Chambers, Jacqueline Davies, disse que "no contexto dos tempos em que vivemos", com uma ameaça sempre presente do terrorismo, a mensagem de Chambers foi "obviamente ameaçadora".

" Existe sarcasmo no Twitter, que é compreendido por todos no Twitter, mas não por essa juíza "

Num caso semelhante, um outro twiteiro recebeu menos simpatia que Chambers. Gareth Compton, um vereador conservador da cidade de Birmingham, foi preso este mês por suspeita de enviar uma "mensagem ofensiva ou indecente", após enviar pelo Twitter a sugestão que uma jornalista fosse apedrejada até a morte - um comentário que ele garante ter sido uma piada.

A "vítima" do seu tweet, a colunista Yasmin Alibhai-Brown, o denunciou à polícia. Ele foi preso e interrogado, mas a polícia decidiu não abrir nenhum processo. Dias depois, Compton pediu desculpas por sua "desastrada tentativa de humor".

A simpatia pela causa do político foi relativamente tímida. Talvez os internautas liberais tenham se sentido menos confortáveis em apoiar um político conservador que tinha atacado uma mulher muçulmana.

Mas Harris diz que a prisão Compton é igualmente injusta. Ele argumenta que o tweet "Alguém por favor poderia apedrejar Yasmin Alibhai-Brown até a morte? Prometo que não digo nada à Anistia (Internacional)" claramente não era uma ameaça séria.

Juristas concordam que a lei não está acompanhando a tecnologia e as mudanças nos meios de comunicação. Chambers foi condenado por enviar comunicações eletrônicas ameaçadoras, nos termos da legislação originalmente criada para proteger os operadores de telefone de chamadas indecentes.

Muitas pessoas aprenderam que comentários on-line descuidados podem causar problemas. Basta perguntar a Peter Broadbent, bispo da Igreja da Inglaterra em Willesden, que se desculpou segunda-feira por saudar a notícia do noivado do príncipe William e Kate Middleton, com um tweet sobre fazer "uma viagem republicana à França".

Broadbent se desculpou e disse que tinha sido imprudente ao entrar em um "debate em um fórum semi-público na internet", mas seu chefe, o bispo de Londres, anunciou nesta terça-feira que ele estava sendo suspenso de funções públicas "até segunda ordem".

Ao redor do mundo casos semelhantes, embora em contextos diferentes, estão testando os limites do que pode ser dito on-line.

Na China, onde a Internet é restrita e o Twitter bloqueado, uma mulher foi recentemente condenada a um ano em um campo de trabalho por "perturbar a ordem social" ao retuitar mensagens satíricas pedindo que chineses destruíssem o pavilhão japonês na Feira de Xangai .

Nos Estados Unidos, onde a garantia da liberdade de expressão dada pela Primeira Emenda é vista como um farol para os liberais britânicos - o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas estuda um caso no qual um motorista de ambulância foi demitido por criticar seu chefe no Facebook. O advogado do conselho diz que a mensagem é o mesmo que "um bate-papo no bebedouro" e portanto protegida por lei.

Para Pryor, todos esses casos mostram que o equilíbrio jurídico entre liberdade e responsabilidade ainda está sendo descoberto.

Julian Glover, editorialista do jornal "The Guardian", acha que vai demorar um pouco até as coisas se acalmarem.

A Internet, escreveu ele recentemente, é uma "invenção revolucionária que vai exigir tempo para desenvolver regras próprias de civilidade", assim como após os automóveis foram criadas as rodovias e, depois de algum tempo, limites de velocidade.

"A internet está chegando à sua fase de limite de velocidade", Glover escreveu, "Não podemos adivinhar quando isso vai acabar, só que as disputas apenas começaram".

Nenhum comentário:

Postar um comentário