sábado, 28 de janeiro de 2012

Após polêmica do SOPA, 22 países aderem ao ACTA

Aprovação do acordo gerou protestos nos países que assinaram; objetivo é combater a pirataria na internet e estimular a aplicação das leis de propriedade intelectual

Pouca gente já ouviu falar, mas ele já é uma perigosa realidade há quase cinco anos. O Anti Counterfeiting Trade Act - ou Acordo Comercial de Anti-Contrafacção (ACTA) -, projeto que alinha as políticas internacionais de proteção ä propriedade intelectual, foi assinado hoje por 22 países da União Europeia.

Entre os países que decidiram aderir estão Portugal, França, Reino Unido, Irlanda, Grécia, Itália, Espanha, dentre outros. As negociações do acordo começaram a ser firmadas em 2007, e em outubro do ano passado, Estados Unidos, Suíça e Japão assinaram. Outras nações que já haviam apoiado o ACTA incluem a Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Nova Zelândia, Jordânia, Marrocos, México e Cingapura. Nenhum país sul-americano assinou.

O Brasil tradicionalmente não adere a acordos internacionais de cujas negociações não tenha participado, embora parlamentares de direita já tenham se mostrado favoráveis ao acordo.

O ACTA

Considerado o SOPA internacional, o acordo conta com as mesmas prerrogativas do projeto de lei norte-americano, de combate à pirataria e proteção das leis de propriedade intelectual. Todavia o texto final do ACTA, redigido longe dos holofotes, prevê sérias sanções a acusados de pirataria on-line, incluindo o cerceamento do acesso à internet.

Na prática, o acordo concede maior poder às corporações de diversos segmentos - como filmes, música, moda e até remédios - enquanto sacrifica a liberdade não só dos usuários de internet, mas de todos os cidadãos, que passariam a depender exclusivamente dos serviços oferecidos pelas companhias.

Na internet, o ACTA prevê o rastreamento de todas as conexões, ou seja, o fim da privacidade e da segurança das informações pessoais. Se o usuário for flagrado cometendo algum ato caracterizado como "pirataria", recebe até duas advertências. Da terceira vez, é proibido de ter acesso ä internet. Por esses motivos, é um acordo extremamente impopular, embora conte com a adesão de quase todos os países da União Europeia - e a promessa da Alemanha, Holanda e outros.

Protestos na Polônia

A Polônia é um dos países que assinaram - em solo japonês - o acordo, longe da rebelião que tomou conta de Varsóvia. Centenas de pessoas saíram äs ruas para protestar logo após o anúncio feito pela rede local TVN24. Parlamentares de oposição usaram máscaras de Guy Fawkes - amplamente utilizadas por integrantes do Anonymous - em pleno parlamento, como forma de protesto.

O grupo ativista não ficou indiferente às manifestações. Durante a semana, sites do governo polonês foram derrubados por vários dias consecutivos, entre eles o site do primeiro-ministro e dos Ministérios da Cultura e Relações Exteriores. Apesar dos protestos, o primeiro-ministro Donald Tusk afirmou que o país não irá recuar de sua decisão. Em declaração durante entrevista coletiva, Tusk garantiu que "não haverá concessões à chantagem brutal".

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Vint Cerf, pai da internet:‘De tão danoso, Sopa precisa ser revisto’

O blecaute parcial na internet contra os projetos de lei antipirataria nos Estados Unidos demonstrou a capacidade crescente de articulação e manifestação via internet. Para o vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, Carlos Affonso, depois do papel de redes sociais como Facebook e Twitter na Primavera Árabe do ano passado, a chamada Web 2.0 ganhou uma interface engajada e não só colaborativa.

— Em 2007, a revista “Time” elegeu “Você” (You) como a Pessoa do Ano, em vez de uma personalidade individual. Naquela época, a Web 2.0 estava começando — lembra Affonso. — Quatro anos depois, “O Manifestante” foi o eleito pela mesma publicação, após os eventos no Egito e na Tunísia. E o blecaute de ontem não foi um protesto de ativistas — reuniu internautas, empresas, academia etc.

Para Affonso, os projetos de lei americanos deixam claras as diferenças entre os que defendem a propriedade intelectual e o direito autoral e aqueles que propugnam pelo direito à liberdade, privacidade e acesso à informação, marca registrada do ciberespaço.

— Esses projetos de lei tornam o direito autoral um “superdireito”, em detrimento daqueles outros direitos — frisa Affonso. — E é preciso lembrar que, caso aprovada, tal lei extrapolaria as fronteiras dos Estados Unidos. Veja que posts em blogs no Blogspot.com, posts em redes sociais como Facebook e Twitter são tratados tecnicamente nos Estados Unidos, mesmo que tenham sido originados no Brasil ou em outros países. Assim, a lei se aplicaria a eles e poderia censurá-los.

Rony Vainzof, sócio do escritório Opice Blum Bruno Abrusio & Vainzof Advogados, explica que ambos os lados — os estúdios, empresas de mídia e gravadoras que defendem o Sopa e os provedores de internet e empresas de tecnologia que se opõem a ele — querem, na verdade, combater a pirataria. A questão é o procedimento escolhido para tal.

— A celeuma toda está na forma como se quer combatê-la, já que o projeto prevê acesso prévio aos conteúdos postados — opina Vainzof. — Hoje, se um provedor posta conteúdo não autorizado e é notificado pelo detentor do direito autoral, ele deve tirá-lo do ar; caso não o faça, então irá responder judicialmente. Essa é a forma correta de lidar com a questão, a meu ver.

Vint Cerf, um dos pais da internet, que escreveu uma carta ao Congresso americano explicando que a manipulação do sistema de domínios da internet previsto na lei não funcionaria, disse ao GLOBO por e-mail que o problema da pirataria e da violação de direitos autorais é real, mas o “remédio” proposto é amargo demais.

— Os projetos são tão danosos às liberdades da internet que realmente precisam ser reconsiderados — afirma Cerf. — As comunidades legislativa e tecnológica precisam trabalhar juntas para encontrar meios de proteger a propriedade intelectual ao mesmo tempo que preservam os valores abertos da internet.

A advogada Patrícia Peck Pinheiro, em artigo sobre o tema, concorda com Vint Cerf. “Para haver eficácia jurídica e coibição da prática de crimes como falsa identidade, distribuição de conteúdo não autorizado, pirataria, plágio etc, qualquer medida legal necessita envolver os provedores de acesso e provedores de páginas que permitem publicação de conteúdo por terceiros e empresas de hospedagem de sites. Caso contrário, uma lei ou uma ordem judicial não conseguirão atingir a eficácia plena nas medidas destinadas a reestabelecer a ordem jurídica no combate aos crimes na internet”, escreve Patrícia.

— Os dois lados estão muito extremistas — diz a advogada. — De um lado, a indústria não quer repensar seu modelo de negócio, e de outro as empresas de tecnologia protestam tirando sites do ar? No fim das contas, quem perde com essa briga é o usuário. Uma lei não pode ser imposta, é preciso que os dois lados trabalhem juntos, de fato.