O cruzamento de documentos internos com atas de assembleias gerais detalha o funcionamento do órgão que arrecadou R$ 433 milhões só no ano passado. Esta semana, o Senado aprovou a instalação de uma CPI para apurar a denúncia feita pelo GLOBO de que o Ecad pagou R$ 127,8 mil a um falso compositor, que se fez passar por Milton Coitinho dos Santos, um motorista de Bagé (RS). O painel de trapalhadas no Ecad, com quase um caso por ano, começa com a conversão do dinheiro recolhido pela entidade e destinado ao pagamento dos músicos em receita operacional do próprio escritório, para tirar suas contas do vermelho.
Em 29 de abril de 2004, durante a 294ª assembleia geral do Ecad, decidiu-se que um total de R$ R$ 1.140.198, que constava no sistema do escritório há cinco anos como crédito retido, seria utilizado para "abater o déficit operacional" da entidade.
Crédito retido é o nome dado internamente ao dinheiro que o Ecad arrecada e não consegue repassar aos artistas por não saber identificar corretamente seu destinatário. Segundo o regulamento do escritório e de diversas instituições homólogas em outros país, depois de cinco anos, o crédito retido deve ser integralmente distribuído entre todos os artistas associados. Em 2004, no entanto, a assembleia geral das nove associações que compõem seu colegiado preferiu transformar o dinheiro dos músicos em receita. Com isso, o Ecad publicou um superávit de R$ 444 mil em vez de um déficit de cerca de R$ 700 mil.
A medida encontrou a rejeição de dois dirigentes da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro), uma das nove associações. Na ata de número 295, os dirigentes Silvio Cesar e Jorge Costa acusam o Ecad de praticar um "ilícito civil e criminal" ao aprovar a conversão e ameaçam divulgar nos meios de comunicação que o escritório está "utilizando o crédito do compositor, do artista, do músico e dos demais titulares para pagar déficit operacional". Sua queixa não surte efeito, e as demais associações mantêm sua posição favorável à medida.
No mesmo dia, a assembleia geral aprova também um plano de reajuste salarial de 6% para seus funcionários. O objetivo, segundo consta na ata 294, era "minimizar a diferença existente entre os salários pagos pelo Ecad e o mercado de trabalho, principalmente no que se refere aos níveis 8 em diante". Estão enquadrados nesses níveis todos os cargos gerenciais do escritório.
Em 2006, uma família de São Paulo de sobrenome Macedo teria tentado fraudar o sistema de distribuição do Ecad. O caso provocou a demissão de 31 funcionários do escritório paulista, 17 por justa causa, e levou à extinção do Núcleo de Coleta de Dados do Carnaval, que funcionava na capital paulista e monitorava as comemorações em todo o país.
No suposto golpe, Joselito Ribeiro de Macedo, o "Astro da Sanfona", e outros 13 integrantes de sua família informaram ao Ecad que haviam promovido bailes de carnaval em que só tinham sido executadas músicas de sua própria autoria. A manipulação das planilhas de execução - que teria contado com o apoio de fiscais do escritório - elevou a pontuação do repertório dos Macedo no cálculo de rateio dos direitos autorais recolhidos.
No dia 8 de agosto de 2008, a 10ª Delegacia de Polícia, em Botafogo, abriu um inquérito para investigar o envolvimento de Alessandra das Mercês Borgi, funcionária do Departamento Pessoal do Ecad, num caso de estelionato. Dias antes, ela fora demitida por justa causa do Ecad, sob a acusação de aplicar um golpe de R$ 750 mil.
Alessandra, que até então era responsável pela solicitação e emissão de vales-refeição e alimentação para os funcionários do Ecad, teria pedido esses benefícios à instituição financeira que geria o serviço sem o conhecimento de diversos favorecidos, alguns deles, inclusive, trabalhadores já demitidos do escritório. Em vez de entregá-los aos trabalhadores, teria embolsado todo o valor.
O golpe de Alessandra, que teria agido durante um período de tempo ainda desconhecido, desfalcou em R$ 750 mil a receita operacional do escritório - para se manter, o Ecad retém 17,5% de todos os direitos autorais que arrecada. A verba recebe o nome de receita operacional, e o Ecad chegou a pedir ressarcimento à instituição financeira que acolheu os pedidos de Alessandra, mas o pleito foi negado, segundo o escritório.
O inquérito está em andamento, e Alessandra, segundo sua advogada, encontra-se incomunicável.
Contratada por decisão da assembleia geral do Ecad realizada em 11 de agosto de 2009, a BDO Trevisan, auditoria com tradição no mercado, teve o trabalho interrompido após divergências com os gestores da entidade. Como faz normalmente em suas auditorias, ela solicitou uma lista de documentos ao escritório depois de conhecer as suas rotinas. Em vez de atender o pedido, que incluía contratos com empresas tercerizadas e o detalhamento dos sistemas de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, a direção da entidade preferiu defender, na assembleia do colegiado, a substituição da Trevisan por outra auditoria.
Foi assim que, cerca de dois meses depois de tentar analisar e validar as contas do Ecad, a Trevisan foi substituída pela Martinelli, cujo trabalho teve um alcance restrito. Ela não recebeu os R$ 58 mil que ficaram registrados na ata 359 da assembleia do Ecad, mas uma indenização por rescisão de contrato.
Na ata 363, que registra a troca de auditores, não consta nenhuma explicação para a substituição no meio do processo.
Ouvido pelo GLOBO, Clóvis Ferreira Júnior, gerente comercial da Martinelli, disse que nada do que fora apurado pela Trevisan, antes da dispensa, foi aproveitado. A própria superintendente do Ecad, Glória Braga, admitiu que o trabalhou ficou restrito à análise dos números do balanço, sem entrar nos processos internos do escritório.
Em entrevista, Glória teve dificuldades para lembrar o nome da última empresa a auditar as contas do Ecad, uma entidade que, só no ano passado, arrecadou R$ 433 milhões em direitos autorais. A ajuda dos repórteres encerrou o constrangimento: foi a desconhecida Directa.
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