A ida dos Oito Batutas para Paris em 1922, o concerto da bossa nova no Carneggie Hall, as noites brasileiras do Festival de Montreux, o Japão como mercado importante para os discos e shows de MPB... A vocação da música brasileira de sair de nossas fronteiras é antiga. Mais recentemente, porém, esse movimento parece ter ganhado uma nova face, muito menos grandiosa, mas que carrega uma riqueza própria em sua diversidade. Artistas independentes fazem pequenas excursões (Marcelo Frota e seu projeto Momo nos Estados Unidos, mesmo caminho seguido pela banda Cassim & Barbária), participações em festivais (Céu e Emicida no Coachella; Tiê e Holger no South By Southwest), e lançam CDs por selos estrangeiros (Dois em Um, Flávia Muniz, Tulipa Ruiz). A redução de distâncias trazida pela internet, com o desenvolvimento de ferramentas de redes sociais cada vez mais sofisticadas, está no centro desse processo quase generalizado no universo independente.
- Entrar em contato com músicos, produtores, radialistas de lá e mandar sua música era algo impensável - avalia Marcelo Frota, que em 2009 fez uma série de shows do Momo nos Estados Unidos a partir do convite para tocar no Chicago World Music Festival. - Imagina quando você ia conseguir falar com um cara como David Byrne, que recentemente pôs duas faixas do Momo numa playlist de sons indicados por ele. Myspace apresenta as bandas ao público estrangeiro Uma facilidade que funciona em duas mãos. A proliferação de gravadoras pequenas na última década - somadas às redes sociais e aos blogs em que circulam músicas, vídeos e informações sobre os artistas (produzidas pelos próprios e por fãs, críticos e jornalistas) - permite que os selos alcancem os músicos brasileiros. Foi o que aconteceu com a banda baiana Dois em Um, que teve seu disco de estreia lançado em 2009 por um selo americano, o Souvenir Records.
- Antes, as coisas funcionavam muito pela multinacional daqui, que se articulava com sua matriz para viabilizar a entrada de um artista em outro país - acredita o guitarrista Luisão Pereira, do Dois em Um. - No nosso caso, eles olharam nosso Myspace, gostaram, mandaram uma mensagem manifestando o interesse e apresentando a gravadora. Luisão identifica outro fator que ajuda a explicar o movimento:
- Agora a rapaziada está muito mais ligada em para onde está indo. Até alguns anos, não se tinha dimensão exata do terreno em que se estava pisando. Hoje todos os festivais estão na internet, com registros em vídeo. Há ferramentas que mapeiam onde nossas músicas estão sendo ouvidas. Temos entidades como a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), que conversa com esses festivais. E como as pessoas vão mais, você sempre pode se informar sobre um lugar com um músico amigo que esteve lá.
Os músicos notam também que a circulação de informação tornou mais aberta a visão sobre a música brasileira. Do Clube-da-Esquina-new-folk de Momo ao indie experimental de Cassim & Barbária, da nova MPB de Tulipa Ruiz ao rap de Emicida, a expectativa de selos e festivais estrangeiros sobre o Brasil vai muito além da ideia de batucada e bossa nova. Olhando por outro ângulo, cantar em português também não representa uma barreira automática. Às vezes, a abertura chega a surpreender os próprios artistas. Foi o que aconteceu com a vocalista do Luisa Mandou um Beijo, Flávia Muniz, que lançará pelo selo espanhol Elephant seu primeiro disco solo, assinado com sua banda, O Olho Mágico.
- Achei curioso um selo com perfil mais pop, mais indie, ter se interessado por um trabalho com uma cara de música brasileira, mais acústico, com elementos de samba, maculelê, com jeito de roça, de índio - afirma a compositora, que define o projeto como "pós-tropicalismo eletroacústico".
Com o Luisa, Flávia já tinha visto sua música circular. O primeiro disco da banda foi lançado na Inglaterra pelo selo Action Pop! e teve faixas em coletâneas que saíram em Cingapura, Japão, Itália e Alemanha. Para esses artistas, a satisfação pela circulação de sua música é maior que o retorno financeiro, quase sempre nulo. Há casos como a pioneira banda Autoramas - que conseguiu criar ao longo da última década uma estrutura para viabilizar turnês regulares pela América Latina - e Cansei de Ser Sexy, que, baseada na Europa, construiu um trabalho consistente e se tornou a maior banda brasileira em termos de visibilidade no exterior. Mas Rodrigo Lariú, proprietário do selo midsummer madness, chama a atenção para a dificuldade de fazer seu trabalho efetivamente circular no exterior.
- Tocar num evento como o South by Southwest, o maior festival independente do mundo, dá mais resultado no Brasil do que lá fora. É bacana aqui ter algo assim no currículo - diz. - O Cancei de Ser Sexy funcionou porque foi para lá apoiado por sua gravadora, mandou um produtor que fez um milhão de contatos antes de a banda ir, preparando o terreno. Um apoio lá, de alguém que possa garantir uma estrutura mínima, é fundamental para que se consiga firmar um trabalho fora do Brasil. Não é só tocar uma vez lá e esperar que vão adorar você e chamá-lo sempre. Mas está realmente mais fácil, pela moeda forte, pela internet e até porque antes uma banda nova que queria emplacar tinha a necessidade de lançar um CD e investia todo o seu dinheiro nisso. Hoje ela pode gravar, pôr as músicas na rede e usar o dinheiro para viajar. Luisão resume o espírito:
- A turma do barquinho a vela está chegando, conseguindo navegar.
Fonte: O Globo
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