O blecaute parcial na internet contra os projetos de lei antipirataria nos Estados Unidos demonstrou a capacidade crescente de articulação e manifestação via internet. Para o vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, Carlos Affonso, depois do papel de redes sociais como Facebook e Twitter na Primavera Árabe do ano passado, a chamada Web 2.0 ganhou uma interface engajada e não só colaborativa.
— Em 2007, a revista “Time” elegeu “Você” (You) como a Pessoa do Ano, em vez de uma personalidade individual. Naquela época, a Web 2.0 estava começando — lembra Affonso. — Quatro anos depois, “O Manifestante” foi o eleito pela mesma publicação, após os eventos no Egito e na Tunísia. E o blecaute de ontem não foi um protesto de ativistas — reuniu internautas, empresas, academia etc.
Para Affonso, os projetos de lei americanos deixam claras as diferenças entre os que defendem a propriedade intelectual e o direito autoral e aqueles que propugnam pelo direito à liberdade, privacidade e acesso à informação, marca registrada do ciberespaço.
— Esses projetos de lei tornam o direito autoral um “superdireito”, em detrimento daqueles outros direitos — frisa Affonso. — E é preciso lembrar que, caso aprovada, tal lei extrapolaria as fronteiras dos Estados Unidos. Veja que posts em blogs no Blogspot.com, posts em redes sociais como Facebook e Twitter são tratados tecnicamente nos Estados Unidos, mesmo que tenham sido originados no Brasil ou em outros países. Assim, a lei se aplicaria a eles e poderia censurá-los.
Rony Vainzof, sócio do escritório Opice Blum Bruno Abrusio & Vainzof Advogados, explica que ambos os lados — os estúdios, empresas de mídia e gravadoras que defendem o Sopa e os provedores de internet e empresas de tecnologia que se opõem a ele — querem, na verdade, combater a pirataria. A questão é o procedimento escolhido para tal.
— A celeuma toda está na forma como se quer combatê-la, já que o projeto prevê acesso prévio aos conteúdos postados — opina Vainzof. — Hoje, se um provedor posta conteúdo não autorizado e é notificado pelo detentor do direito autoral, ele deve tirá-lo do ar; caso não o faça, então irá responder judicialmente. Essa é a forma correta de lidar com a questão, a meu ver.
Vint Cerf, um dos pais da internet, que escreveu uma carta ao Congresso americano explicando que a manipulação do sistema de domínios da internet previsto na lei não funcionaria, disse ao GLOBO por e-mail que o problema da pirataria e da violação de direitos autorais é real, mas o “remédio” proposto é amargo demais.
— Os projetos são tão danosos às liberdades da internet que realmente precisam ser reconsiderados — afirma Cerf. — As comunidades legislativa e tecnológica precisam trabalhar juntas para encontrar meios de proteger a propriedade intelectual ao mesmo tempo que preservam os valores abertos da internet.
A advogada Patrícia Peck Pinheiro, em artigo sobre o tema, concorda com Vint Cerf. “Para haver eficácia jurídica e coibição da prática de crimes como falsa identidade, distribuição de conteúdo não autorizado, pirataria, plágio etc, qualquer medida legal necessita envolver os provedores de acesso e provedores de páginas que permitem publicação de conteúdo por terceiros e empresas de hospedagem de sites. Caso contrário, uma lei ou uma ordem judicial não conseguirão atingir a eficácia plena nas medidas destinadas a reestabelecer a ordem jurídica no combate aos crimes na internet”, escreve Patrícia.
— Os dois lados estão muito extremistas — diz a advogada. — De um lado, a indústria não quer repensar seu modelo de negócio, e de outro as empresas de tecnologia protestam tirando sites do ar? No fim das contas, quem perde com essa briga é o usuário. Uma lei não pode ser imposta, é preciso que os dois lados trabalhem juntos, de fato.
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